Por Priscilla Ferreira Castro
Imagem de Lobachad (Licença de uso Envato Elements)
Uma crise mundial inesperada e imprevisível, causada pela disseminação de um vírus, assola o sistema de saúde e gera reflexos na política e economia de todas as nações.
Medidas de enfrentamento adotadas às pressas pelo Governo visando à redução do contágio geram efeitos colaterais severos nas relações familiares.
Os efeitos da situação excepcional e imprevisível de uma pandemia podem ser catastróficos na vida de muitas pessoas. A falta de dinheiro bem como o excesso ou a falta de convivência familiar ganham contornos relevantes quando tudo parece estar do avesso.
Entre os problemas mais comuns enfrentados no momento de pandemia estão à manutenção da convivência familiar e o pagamento de alimentos em momento de crise financeira.

Guarda compartilhada e a convivência familiar
A guarda compartilhada dos filhos, prevista na lei nº 13.058/2014 que visa à convivência familiar com os pais de forma igualitária, ainda que separados, sempre foi alvo de discussões judiciais, já que muitos pais têm dificuldades de manter um relacionamento harmônico, após o término da união.
Com a pandemia, não poderia ser diferente. Muitos pais e mães se viram impedidos de conviver com seus filhos por alegado perigo de contágio pelo coronavírus, permanecendo-se distante dos filhos.
Em que pese não haja um regramento para este tipo de caso, específico e imprevisível, o melhor caminho para a solução de quaisquer problemas envolvendo filhos menores é o diálogo e o bom senso entre os envolvidos.
No entanto, como nem sempre isso é possível, medidas judiciais são deflagradas e muitas decisões acabam ceifando direitos de convivência com um dos genitores por pura precaução, já que o melhor interesse do menor deve ser preservado e sua integridade física deve estar em primeiro lugar.
Sobre o tema, destacamos uma decisão proferida pela 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao não dar provimento a um recurso (Agravo de Instrumento) interposto por um pai, contra uma decisão liminar que havia sido deferida para afastá-lo da convivência com a filha por um período de 14 dias, em decorrência dos riscos de contaminação.
No julgamento foi explicitada a ausência de prejuízo ao pai: “Neste panorama, entendo que o afastamento paterno pelo prazo de 14 dias, em nada prejudicará os laços de afeto do agravante com a filha, já que poderão ser cativados e conquistados sempre, a qualquer momento, bastando a boa vontade e o interesse ora demonstrados, ressaltando como bem salientado pelo MM Juiz a quo que “o contato remoto entre pai e filha seja mantido em todo o período pelos meios digitais disponíveis.”
Como se nota, os desembargadores do feito entenderam pela ausência de prejuízo à convivência entre pais e filhos com um curto período de distanciamento, que poderia ser suprido pelos contatos através dos meios eletrônicos, como telefone, vídeo-chamadas e redes sociais, que possibilitam uma interação em tempo real.
Por outro lado, a 12ª Câmara Cível de Curitiba manifestou entendimento diferente, quando lhe submetido um caso parecido.
Neste caso, entenderam que se deve analisar a rotina da criança e, se não há indicações de que a convivência com os genitores pode colocar em risco a saúde da criança, não há razão para impedi-la.
Por esta razão, concederam a antecipação dos efeitos da tutela para alterar a forma de visitação paterna, cuja convivência passaria a ser exercida pelos genitores alternadamente por 15 dias consecutivos.
Veja que, embora os casos devam ser analisados de acordo com suas especificidades, decisões diferentes acabam sendo tomadas em casos praticamente idênticos, razão pela qual, os responsáveis pelas crianças deveriam se esforçar, ao menos neste momento delicado, para evitar que uma decisão, relativamente simples de ser tomada, precise ser judicializada e possa, muitas vezes, se tornar um novo problema a ser enfrentado em momento pandêmico.
Nas palavras de Rolf Madaleno:
“Neste pandemônio que vivemos visando preservar vidas e minimizando o impacto desta experiência única nunca antes vivenciada, é crucial que se tenha como linha prioritária de adoção os superiores direitos das crianças e adolescentes, tendo certeza de que a singela leitura do artigo 227 da Carta Federal permite por si própria ter uma noção muito clara e ponderada de como devem agir os progenitores para que os filhos restem a salvo de toda forma de negligência, já que nestes tempos de reclusão doméstica restam momentaneamente afastados a convivência comunitária e outros direitos não menos relevantes e relacionados com a educação, lazer e a profissionalização.”
A conclusão de Rodrigo da Cunha Pereira é relevante e vale a reflexão:
“esta pandemia tem escancarado que a guarda compartilhada no Brasil ainda não é uma realidade, assim como convivência igualitária entre pai e mãe com os filhos. Se o fosse, as decisões dos juízes de “suspender as visitas” de pai com filho, seria diferente. Ora, se está correndo risco de contágio com o pai, também está com a mãe”.
Por esta razão, vale repetir que quando o assunto é guarda e convivência com filhos, os pais precisam empreender esforços para tornar o diálogo possível, para que consigam decidir o melhor para os filhos, em qualquer momento da vida.

Pagamento dos alimentos
O pagamento de alimentos aos filhos, previstos no artigo 1.694 e seguintes do Código Civil são fixados de acordo com a necessidade de quem recebe e dos recursos de quem paga, podendo ser alterados judicialmente se comprovada mudança em um destes requisitos, tal como estabelecido no artigo 1.699 do mesmo diploma legal.
Em decorrência da crise financeira causada pela pandemia, muitos alimentantes sofreram a redução de seus rendimentos, outros perderam o emprego e muitos estão em situação de total instabilidade financeira.
Essa situação, por sua vez, dada a excepcionalidade do momento e até mesmo a momentânea dificuldade financeira enfrentada, enseja por parte dos envolvidos uma maior flexibilização quanto ao valor a ser pago durante o momento de crise, que é enfrentada por todos, direta ou indiretamente.
Por esta razão, ao invés de propor ações revisionais ou exoneratórias de alimentos, que levaram tempo para serem julgadas, o ideal é procurar um profissional para intermediar uma composição, visando uma redução provisória no valor dos alimentos (enquanto durar a pandemia).
Caso as partes não consigam uma composição, deverão se valer de ação judicial para buscar seus direitos.
A ação revisional neste caso poderá ser interposta para buscar uma redução no valor dos alimentos, de modo que se adeque à nova realidade financeira daquele que efetua os pagamentos. Todavia, não se pode esquecer que, diante da rotina domiciliar a que (quase) todos foram obrigados a adotar, as despesas mensais de muitos filhos acabaram aumentando, ao invés de diminuírem.
De qualquer forma, com todos os pontos expostos em ação judicial, será possível estabelecer uma nova forma de contribuição para o sustento dos filhos.
A Prisão do devedor de alimentos
Conforme artigo 528, § 7º do Código de Processo Civil e súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça, o devedor de alimentos pode ser preso depois de inadimplidas até três prestações mensais.
No entanto, diante do momento excepcional e visando orientar na decisão de demandas semelhantes, que certamente seriam ajuizadas, já que grande parte dos trabalhadores brasileiros foram afetados economicamente, ainda que em diferentes proporções, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação nº 62, que tratou sobre o tema no artigo 6º, in verbis: Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus.
Logo após a recomendação, todos os Tribunais passaram a colocar em liberdade os presos por débitos alimentares e determinar a prisão domiciliar para os novos pedidos em andamento.
Inclusive, a decisão tomada pelo STJ em 26 de março de 2020 em sede de Habeas Corpus Coletivo impetrado no Ceará (nº 568.021/CE), foi estendida para todos os casos semelhantes em território nacional.
Desta forma, ficou determinado que todos os presos por débitos alimentares teriam a substituição do regime fechado pelo regime domiciliar, cabendo aos juízes das execuções de alimentos definirem a forma de cumprimento e a respectiva duração.
Medidas coercitivas para adimplemento dos alimentos em período de pandemia
Infelizmente, com a recomendação para cumprimento da prisão em regime domiciliar, houve certo afrouxamento da única forma coercitiva utilizada pelo alimentado para receber o que lhe é devido.
Numa época em que quase todos os cidadãos foram “impedidos” de sair de suas casas por conta dos decretos determinando o isolamento social, grande parte da população passou a viver uma espécie de regime domiciliar, muito similar àquela imposta aos devedores de alimentos.
Diante desse cenário nunca vivido antes, quais medidas os alimentados poderiam utilizar para ver adimplido seu crédito alimentar durante a pandemia?
Infelizmente essa pergunta fica sem resposta e o mais vulnerável, que precisa da “contribuição” do alimentante para subsistência, fica desamparado, socorrendo-se às orações, ajuda de amigos, familiares ou do próprio Governo.
É interessante pensar na saúde do devedor de alimentos, que foi colocado em regime domiciliar, pois poderia se contaminar em ambiente prisional, quando muitos são contaminados em suas casas, inclusive os alimentados.
Se nos parece, o melhor interesse da criança e adolescente, que geralmente são aqueles que recebem alimentos, não foi preservado como deveria.
Conclusão
A conclusão que se chega sobre a interferência de uma pandemia no seio familiar é de que leis precisam ser criadas para novos casos imprevisíveis como este.
Concluímos que os genitores, mais do que nunca, precisam estabelecer um relacionamento harmonioso, para que possam tomar decisões em conjunto sobre o bem mais preciso da vida, que são os filhos.
Além do diálogo entre os genitores contribuir para a diminuição demandas judiciais desnecessárias, já que muitas se resolvem nas audiências de conciliação (que são impulsionadas pelo diálogo), existiriam menos crianças revoltadas, menos vítimas de alienação parental e teríamos, sem dúvida, muito mais famílias felizes.